quinta-feira, 2 de abril de 2015

Meu pedido de fast food delivery

Eis que dois amigos em torno dos 30 anos se encontram no inbox do facebook. Ele vive reclamando da solidão (mas nunca está sozinho, sempre tem uns casos tórridos com meninas bem mais jovens e bem bonitas - desconfio que seu critério baseia-se totalmente ao tipo "modelete" ou aspirantes). Ela, saindo de uma relação complicada, quase nunca comenta sobre seus desejos, até porque ela gosta de um pouco de solidão (ou paz?) depois de alguns acontecimentos na sua vida. Na ocasião narrada, porém, algo muito diferente aconteceu: "HEY, AMIGO, PRECISO DE SEXO, ME AJUDA?" certamente ambos riram e o moço ficou assustado. Alguns resquícios de machismo somado a um pedido inusitado. Na verdade, mesmo que não houvesse machismo, tanta franqueza assusta... "Nunca ninguém foi tão direto" disse ele. Até mesmo ela estava surpresa com tamanha naturalidade com que disse aquilo, apesar de ser alguém bem transparente. Depois de um pouco de conversa, ela selecionou rapidamente (rapidamente mesmo!) o perfil de um dos amigos dele no facebook (alguém interessante, que usa óculos, aparentemente idealista e músico) e ficou combinado de que todos se encontrariam "ao acaso". Fim de conversa. Hora da janta para ele, hora da academia para ela. Fácil, né?

Mas e se o amigo não se interessar? Ora, é claro que ele vai se interessar. A moça deixou bem claro do que precisava ao procurar ajuda. E convenhamos, quem hoje dispensa sexo casual? Uma tentativa desesperada de contato (des)humano bem ao estilo fast food delivery. Não faz mal pra ninguém. 

Eu só gostaria de avisar pra ela que talvez ela tenha sido mais covarde que ele. Ele fala que quer namorar, ele admite que está cansado dos fast food e quer uma comidinha caseira, com um tempero único e não algo que vem numa caixinha com peso e altura milimetricamente desenvolvido para saciedade imediata.

Aliás, quem quer viver de algo que sacia, mas não alimenta, ou ainda que alimenta, mas não nutre? Talvez ela esteja arrependida da abordagem franca, até porque nem foi tão franca assim. Talvez ela devesse ter tido a CORAGEM de dizer para seu amigo: "HEY, AMIGO, EU GOSTARIA DE CONHECER ALGUÉM REALMENTE LEGAL, QUE TENHA POTENCIAL PARA UM POSSÍVEL RELACIONAMENTO. VOCÊ PODE ME AJUDAR COM ISSO?" Seria tão mais fácil e sincero. Infelizmente, naquela hora parecia (e obviamente era) fraqueza e carência. Ela esquece que às vezes pode ter fraquezas e que estar carente acontece de quando em quando com as pessoas. 

Sabe o que ela quer de verdade? Não é algo pré-moldado que vem em caixinhas bonitinhas e pode ser encontrado em várias partes da cidade e do mundo... ela quer aquele pratão de comida caseira em que todos os ingredientes são misturados com o garfo e resultam em algo saborosíssimo e só encontrado quando adentramos a casa de alguém. Desculpe te informar, garota, mas ir vivendo de fast food parece ser tão pobre e tão distante do você realmente quer. Ainda que não esteja pronta para um relacionamento sério, seria muito positivo se alguém tocasse o seu coração e não apenas a sua pele. Estaria tudo bem se ela não fosse uma pata manca que se sente pouco a vontade em pensar egoisticamente que vai usar alguém. Isso deveria acontecer naturalmente na lenta orgia que é a vida*, mas a ideia de gente descartável (incluindo ela mesma) a desconcerta. Ela quer saborear, não apenas comer. E saborear envolve muito mais do que saciedade, é a soma de circunstâncias: o lugar onde se come, a temperatura do dia, o tipo de talher, algo natural e sem pressa. 


Encher a pança não é que está em jogo, mas sim o ato de saborear aquele alimento tão singular. E o que faz de um alimento singular é a maneira como ingerimos. Podemos estar diante de um prato muito elaborado e comer como um Neandertal, ora pois. Sem apreciar, sem olhar direito, apenas engolir sem mastigar direito...


Agora que ela entendeu isso e está relativamente envergonhada, acho que ela deveria ir falar com o amigo dela. NESSE MOMENTO!!!

P.S.: E o amigo do amigo? Ele continua sendo interessantíssimo à primeira vista. Espero que ela possa começar com uma degustação e saboreie lentamente. Espero que ela não se comporte como uma Neardental, uma selvagem com atos primitivos, incansável (afinal, haverá um momento para isso e será muito bem vindo se ele também se comportar assim).


* "la vida es una orgía lenta" palavras de Kevin Johansen. Confira em: