domingo, 1 de junho de 2014

Estar no epicentro do terremoto

Certa vez estava eu em Santiago, na capital chilena, já era tarde da noite, no ano de 2011, lendo tranquilamente “De amor y de sombra” que havia acabado de aquirir. De repente, o casal de senhores, donos da casa na qual eu estava hospedada, me chamam, a mulher, dona Raquel abre abruptamente a porta do meu quarto e diz “Temblor! Temblor!”. Embaixo das cobertas, eu não me movia por comodismo e por surpresa. Estava quente ali e eu não havia percebido nada. “Bajo la puerta! Ven, rápido!” Mas eu não fui. Fiquei olhando para Dona Raquel e para o senhor Gómez embaixo dos batentes das portas do banheiro e do quarto do casal.
Nunca sei se o que virá será como o balanço de um berço
ou causará grandes danos...
Quando me dei conta, um frio percorreu minha espinha, mas quentinha que eu estava naquela enorme cama, não entendia o desespero do casal de senhores até que senti o tremor de terra. Naquela enorme cama eu não me movi. Segurava o livro quando percebi que tudo balançava e, incrivelmente, isso não me assustou. Senti como se estivesse em um berço, balançando... Durou poucos segundos aquele balanço, talvez menos de dez. Menos de dez segundo de “balanço no berço” levando-me a ter a minha primeira experiência com um tremor de terra. Dona Raquel me falou que o ideal é ficar embaixo do batente de alguma porta quando isso ocorrer, pois este que havia acabado de acontecer foi leve, mas nunca se sabe a intensidade, a duração e os danos que podem causar. Para mim, uma típica brasileira que vive na região sul, foi uma informação nova e inusitada. Aliás, no dia seguinte, no instituto no qual eu estava estudando, que era do outro lado da cidade, os canos de água se romperam e não se podia usar o banheiro. 
Acontece que esses dias eu me peguei com um cigarro na boca e o pensamento distante, bem distante, apoiada no batente da porta da minha sala. Quando me olhei, vi que estava em posição de me proteger de um terremoto. Nesse momento, a lembrança da experiência no Chile em 2011 veio muito clara na minha mente: eu estava me protegendo de um terremoto. Simples assim.
Grandes estragos
Comecei a perceber que o conteúdo que povoava meu pensamento levara meu corpo a ter um comportamento de proteção contra terreno movediço. Sim, era e é isso: estou em um terreno movediço e talvez essa circunstância seja a causa do meu estranhamento, desajeito, dúvida, tensão, desespero silencioso e constante no qual eu me encontro secretamente aos olhos do mundo. E digo “estou” e não “estava em um terreno movediço” porque tudo segue da mesma forma que há duas ou três semanas, quando me peguei em “posição de defesa”.
Acredito que o lugar que nascemos determina de alguma maneira quem somos, nossa visão de mundo e nesse sentido, até mesmo a negação desses fatores. Percebo que, para alguém que nasceu em uma terra muito firme, estar em uma terra que pode se deslocar, tremer, abrir-se sem aviso causa alguns sentimentos parentes da angústia e era por isso que eu estava ali, embaixo de um batente de porta, tentado me proteger desses tremores que podem ser como o balanço de um berço ou simplesmente avassaladores e que não dão aviso de sua chegada e sua duração. É neste terreno no qual me encontro agora e não sei como me comportar, não sei como enfrentar ou como mesmo fugir: eu estou tentando me proteger dos seus estragos.

Veio-me, então uma dúvida terrível: terei de viver para sempre me protegendo? Seria melhor fugir e buscar terras mais sólidas? O que me prende a esse terreno movediço? Tenho esperança de que seja apenas um “balançar de berço” e ficarei comodamente na minha cama, com meu livrinho nas mãos achando graça? E agora? Ficar e aprender a lidar com esse terreno movediço ou procurar terras seguras? Aliás, existem terras seguras quando estamos falando de relacionamentos? Creio que umas mais outras menos, porém posso assegurar que no momento, encontro-me justamente no epicentro do terremoto e minhas alternativas para sair disso não estão claras na minha mente (por enquanto).