Certa vez estava eu em Santiago, na capital chilena,
já era tarde da noite, no ano de 2011, lendo tranquilamente “De amor y de
sombra” que havia acabado de aquirir. De repente, o casal de senhores, donos da
casa na qual eu estava hospedada, me chamam, a mulher, dona Raquel abre
abruptamente a porta do meu quarto e diz “Temblor! Temblor!”. Embaixo das
cobertas, eu não me movia por comodismo e por surpresa. Estava quente ali e eu
não havia percebido nada. “Bajo la puerta! Ven, rápido!” Mas eu não fui. Fiquei
olhando para Dona Raquel e para o senhor Gómez embaixo dos batentes das portas
do banheiro e do quarto do casal.
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Nunca sei se o que virá será como o balanço de um berço ou causará grandes danos... |
Quando me dei conta, um frio percorreu minha
espinha, mas quentinha que eu estava naquela enorme cama, não entendia o
desespero do casal de senhores até que senti o tremor de terra. Naquela enorme
cama eu não me movi. Segurava o livro quando percebi que tudo balançava e,
incrivelmente, isso não me assustou. Senti como se estivesse em um berço,
balançando... Durou poucos segundos aquele balanço, talvez menos de dez. Menos
de dez segundo de “balanço no berço” levando-me a ter a minha primeira experiência
com um tremor de terra. Dona Raquel me falou que o ideal é ficar embaixo do
batente de alguma porta quando isso ocorrer, pois este que havia acabado de acontecer
foi leve, mas nunca se sabe a intensidade, a duração e os danos que podem
causar. Para mim, uma típica brasileira que vive na região sul, foi uma
informação nova e inusitada. Aliás, no dia seguinte, no instituto no qual eu
estava estudando, que era do outro lado da cidade, os canos de água se romperam
e não se podia usar o banheiro.
Acontece que esses dias eu me peguei com um
cigarro na boca e o pensamento distante, bem distante, apoiada no batente da
porta da minha sala. Quando me olhei, vi que estava em posição de me proteger
de um terremoto. Nesse momento, a lembrança da experiência no Chile em 2011
veio muito clara na minha mente: eu estava me protegendo de um terremoto. Simples
assim.
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Grandes estragos |
Comecei a perceber que o conteúdo que povoava meu
pensamento levara meu corpo a ter um comportamento de proteção contra terreno
movediço. Sim, era e é isso: estou em um terreno movediço e talvez essa
circunstância seja a causa do meu estranhamento, desajeito, dúvida, tensão,
desespero silencioso e constante no qual eu me encontro secretamente aos olhos
do mundo. E digo “estou” e não “estava em um terreno movediço” porque tudo
segue da mesma forma que há duas ou três semanas, quando me peguei em “posição
de defesa”.
Acredito que o lugar que nascemos determina de
alguma maneira quem somos, nossa visão de mundo e nesse sentido, até mesmo a
negação desses fatores. Percebo que, para alguém que nasceu em uma terra muito firme,
estar em uma terra que pode se deslocar, tremer, abrir-se sem aviso causa
alguns sentimentos parentes da angústia e era por isso que eu estava ali,
embaixo de um batente de porta, tentado me proteger desses tremores que podem
ser como o balanço de um berço ou simplesmente avassaladores e que não dão
aviso de sua chegada e sua duração. É neste terreno no qual me encontro agora e
não sei como me comportar, não sei como enfrentar ou como mesmo fugir: eu estou
tentando me proteger dos seus estragos.
Veio-me, então uma dúvida terrível: terei de
viver para sempre me protegendo? Seria melhor fugir e buscar terras mais
sólidas? O que me prende a esse terreno movediço? Tenho esperança de que seja
apenas um “balançar de berço” e ficarei comodamente na minha cama, com meu
livrinho nas mãos achando graça? E agora? Ficar e aprender a lidar com esse
terreno movediço ou procurar terras seguras? Aliás, existem terras seguras
quando estamos falando de relacionamentos? Creio que umas mais outras menos,
porém posso assegurar que no momento, encontro-me justamente no epicentro do
terremoto e minhas alternativas para sair disso não estão claras na minha mente
(por enquanto).
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